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Entrevista a Paulo Morgado, coordenador do projeto eMOTIONAL Cities

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Entrevista a Paulo Morgado, coordenador do projeto eMOTIONAL Cities

Paulo Morgado é geógrafo, professor auxiliar do IGOT-ULisboa e investigador do Centro de Estudos Geográficos. É o coordenador-geral do projeto eMOTIONAL Cities, financiado pelo programa Horizonte 2020, que teve início no dia 1 de março e cujo evento de lançamento decorreu no dia 13 de abril. Nesta entrevista, o investigador fala-nos do seu novo projeto e da sua trajetória pessoal e académica.

P1. Fale-nos um pouco do projeto eMOTIONAL Cities. Qual o seu maior desafio?
O projeto eMOTIONAL Cities é um projeto com financiamento H2020, na área da saúde urbana. Mais propriamente no domínio da Innovative actions for improving urban health and wellbeing – addressing environment, climate and socioeconomic factors. O maior desafio deste consórcio de 12 parceiros, passa por criar evidência científica, através de métricas, acerca do: como e o quê exatamente – isto é, que artefatos urbanos – e quanto, o ambiente urbano têm influência na saúde mental dos cidadãos. Este é um projeto inovador, na medida em que quer a questão da saúde mental, quer a questão dos métodos e da tecnologia que vamos usar, nunca terem sido objeto de estudo aprofundado por parte dos especialistas, sejam eles urbanistas, planeadores do território ou investigadores e profissionais da área das neurociências. Esta lacuna, da ausência de estudos dedicados ao tema e de uma evidência científica robusta acerca do impacte do ambiente urbano na saúde mental das pessoas, foi detectada ainda antes da minha licença sabática em 2018, quando tive inicialmente ideia de estudar o assunto, e depois corroborada pelos colegas de neurociências, durante a fase de elaboração da proposta.

P2. Qual a relevância deste projeto para a sociedade?
Para responder de uma forma direta, eu diria que este projeto vai criar conhecimento, a partir da evidência científica, que irá mudar a forma como devemos planear as nossas cidades de hoje e do futuro, de forma a torná-las cidades mais inclusivas e cidades mais saudáveis.

É sabido, que vivemos um período expansão do espaço urbano à escala global e que esta dinâmica de transformação do uso e ocupação do solo ocorre em simultâneo com outros dois processos transformativos, que são: as alterações climáticas, um problema que levou as Nações Unidas a lhe chamarem de crise climática, com implicações que têm que ver com a própria sobrevivência da espécie humana; e a digitalização da sociedade com a ubiquidade da tecnologia e em particular da internet no nosso quotidiano. É neste contexto precisamente, que urge termos um conhecimento mais universal acerca do quanto o ambiente urbano por nós construído, nos afeta do ponto de vista da nossa saúde. Sabemos que as cidades são lugares de oportunidades, por via da socialização que proporciona, e de conhecimento, inovação e criatividade. Mas em contrapartida, pouco sabemos como é que este “território do progresso” impacta na nossa saúde, e muito em particular na saúde mental.

Ao longo do nosso estudo conseguimos identificar algumas variáveis e indicadores, bem como estudos que nos sugeriam que existe efetivamente uma influência sobre a nossa saúde mental, acerca do sítio onde moramos e trabalhamos. Mas não existe nada mais para lá disso. Por exemplo, lemos que as pessoas que residem em territórios rurais têm menor risco de contrair doenças como ansiedade, depressão, insônia ou distúrbios de sono, e até mesmo esquizofrenia. Também podemos ler, do relatório do conselho nacional de saúde que o número de antidepressivos têm vindo a aumentar enormemente. Ora, tanto num caso como noutro, existe um fraco sustento científico para que possamos aferir acerca do quanto e como, o ambiente urbano, e/ou o modo de vida urbano afetam a saúde mental dos cidadãos. A nossa abordagem do problema é sistémica e não-linear do ponto de vista da analítica, cruzando variáveis sociais, económicas, culturais, demográficas, género, qualidade do ar, ruído, climáticas, neurológicas, biológicas, e ainda dos social media, para encontrar respostas e assim sermos capazes de fazer recomendações de políticas públicas acerca da sanidade urbana e apoiar à decisão.

P3. Como é que o eMOTIONAL Cities pode contribuir para melhorar a resposta do planeamento urbano promovendo a construção de cidades mais saudáveis?
Temos várias ambições no projeto. Duas delas decorrem da metodologia a implementar, e do conhecimento teórico que esperamos alcançar. Da metodologia esperamos contribuir para mudar a forma como o planeamento urbano é feito. Ou seja, instituir na prática de planeamento o recurso a métodos qualitativos-quantitativos adequados à complexidade do sistema que são as cidades, por via de tecnologias como os SIG, a Deteção Remota, e a inteligência artificial para a análise do crescente aumento do volume de informação de que hoje dispomos no espaço e no tempo, que nalguns casos é mesmo em tempo-real. A segunda ambição, como disse, tem que ver com a interdisciplinaridade do projeto e a produção de novo conhecimento que poderá constituir um novo domínio científico ou uma nova ciência, que é o que alguns chamam de neurourbanismo ou neuropolis. Em ambas as ambições, o que pretendemos é promover a sanidade urbana através de medidas concretas e universais.

P4. Pode contar-nos um pouco sobre a sua trajetória pessoal e o que o levou a escolher a Geografia e o Planeamento do Território como área de estudo e profissão?
Posso. Mas não sei se tem muito interesse, uma vez que o meu percurso é um misto de influência familiar, fruto do acaso e paixão pelo fantástico e a inovação. Fiz o ensino secundário na área das ciências, com especial gosto pela Matemática (a minha melhor nota do 12.º ano) e frustração com a Geografia (pior nota do 12.º ano), porque tinha coisas que gostava muito e me fascinavam, e outras que detestava estudar. Na dúvida pelos estudos a seguir no ensino superior, fiz um ano sabático em que entre outras coisas fiz Filosofia, como disciplina extraordinária entre outros cursos de formação. Findo este ano, e chegada a altura das inscrições no ensino superior após a famigerada Prova Geral de Acesso resolvi escolher uma única opção e escolhi Geografia e Planeamento Regional e Urbano da FCSH/UNL. A partir daí foram as paixões e a sorte. Primeiro por ter terminado o último ano do curso em estágio num laboratório de investigação aplicada inovador em Portugal, e na Europa, que era o Centro Nacional de Informação Geográfica (CNIG), que tinha projetos fantásticos multidisciplinares e todos ancorados no uso da tecnologia de ponta que havia em Portugal à época (1996/97), em SIG, DR e computação. Depois o Mestrado em SIG no IST, que estava ainda no seu segundo ano de existência e tinha esta particularidade de ser todo ele dado sem usarmos computadores, o que nos levou a ter de perceber bem o funcionamento da lógica dos SIG e da DR para lá do interface gráfico do utilizador. E daí em diante, eu acho que não tive opção de escolha da profissão e que foi a profissão que me escolheu a mim. A profissão e o meu amigo e colega Jorge Rocha, que insistiu que eu concorresse ao concurso de Assistente no Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, para dar aulas de Cartografia e SIG.

P5. O que diria a um jovem que está a considerar seguir a área da Geografia ou Planeamento e Gestão do Território no ensino superior?
Se o aluno tem curiosidade em perceber o todo que o rodeia, saber ler uma paisagem e orientar-se nela, adquirir competências técnicas e científicas que lhe permitam abrir portas para um mercado de trabalho variado e ajustado aos tempos futuros, das smart cities, das alterações climáticas, da computação e do Big Data, então tem nestes cursos uma excelente opção.

Eu vejo a Geografia como uma ciência de muitas ciências, ou na analogia roubada de Peter Haggett, uma árvore com muitos ramos. Pelo que um aluno, que pretenda ter uma educação superior mais eclética, com opção de adquirir competências não apenas no saber mas também no saber fazer, deve seriamente considerar estas áreas como opção de curso superior.

P6. Na sua opinião, qual a contribuição da Geografia e do Planeamento e Ordenamento do Território para a compreensão do mundo atual?
Tudo aquilo que nos rodeia acontece nalgum lugar. Mas esse lugar não é apenas um ponto no espaço, um referencial geodésico. Esse lugar é o resultado da combinação de múltiplos factores, eg. sociais, culturais, económicos, biofísicos… e da ordem de disposição das ‘coisas’ nesse território. Ou seja, esse lugar é fruto da Geografia e do Ordenamento (do território). Logo, não vejo ciência mais bem apetrechada de um modo geral, em conhecimentos, métodos e técnicas, para se compreender e consequentemente poder contribuir para este ecossistema, que a Geografia e o Ordenamento do Território. Estas são particularmente mais importantes, diria mesmo saberes fundamentais, para se compreender o mundo em mudança que estamos a viver. Não perceber de Geografia e da forma como as coisas estão dispostas no território, eg. as fronteiras, as dinâmicas migratórias, os conflitos politicos e religiosos, o turismo, as alterações climáticas e os riscos naturais e tecnológicos, a crescente urbanização do mundo, a transformação digital, a Inteligência artificial, as cidades inteligentes, os transportes e as infraestruturas de transporte, a mobilidade, a habitação, a economia, etc., é não compreender o mundo, é desconhecer. No limite, o saber geográfico e o conhecimento acerca do planeamento e do ordenamento do território são ferramentas para a cidadania e devem ser ensinados a aprendidos por todos. Um cidadão mais conhecedor destas matérias é sem dúvidas, um cidadão com mais poder.

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