As zonas húmidas em geral, e as turfeiras, em particular, armazenam alguns dos depósitos de carbono terrestre mais importantes do mundo, providenciando serviços de máxima relevância para a Humanidade, como os serviços de regulação climática e da qualidade da água, de suporte à biodiversidade (incluindo espécies raras e especializadas), de provisionamento de matéria e energia, e ainda culturais.

Governos de todo o mundo, incluindo o português, têm vindo a comprometer-se com a meta da neutralidade carbónica em 2050. Neste sentido, sabe-se hoje que as turfeiras têm um papel complexo no clima mundial - retêm dióxido de carbono (CO2) e óxido nitroso (N2O) por milhares de anos, e emitem quantidades residuais de metano (CH4). Porém, quando os seus solos húmidos e ricos em matéria orgânica sofrem perturbações, como a drenagem ou a poluição, vão contribuir desproporcionalmente, face à sua extensão, para o total das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera, libertando carbono que tinham armazenado em enormes quantidades para a atmosfera, sob a forma sobretudo de CO2. Neste contexto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tem vindo a dar cada vez mais peso a este tipo de emissões na contabilidade total de emissões, emitindo recomendações para que os Estados avaliem e protejam os seus solos orgânicos e incluam as suas emissões nos relatórios que enviam para o secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas - UNFCCC.

É, portanto, imperativo conhecer melhor a distribuição real e o estado ecológico atual dos mosaicos da paisagem com ecossistemas turfosos - aqueles onde o processo de acumulação de turfa está ativo - ombrotróficos (bogs), de transição (transition mires) e minerotróficos (fens), os solos com turfas fósseis, paraturfosos e ainda as zonas húmidas com vegetação potencialmente produtora de turfa (swobs) - para assim conhecer o carbono que se aqui se encontra armazenado, e em que condições. Estes são particularmente vulneráveis a ameaças humanas e naturais, como drenagens, mudanças de uso e ocupação do solo, invasões biológicas e alterações climáticas, que desfavorecem a presença permanente de água, a oligotrofia e a anoxia.

No que diz respeito à Península Ibérica (PI), área de estudo do projeto, existem apenas alguns estudos baseados em estimativas sem suporte empírico, o que significa que, nesta área, o conhecimento relativo às turfeiras, swobs e solos orgânicos e paraturfosos no mosaico da paisagem tem ainda muitas lacunas, sendo determinado pelo “Síndrome de Cinderela”, em que o papel destes ecossistemas e dos seus serviços é ainda relativizado e pouco conhecido, mas cada vez mais entendido como fulcral para a manutenção da vida na Terra.

Este projeto propõe-se a responder a estes desafios e a melhorar o conhecimento sobre a distribuição das turfeiras e swobs da PI, o seu estado ecológico atual, a evolução da paisagem, a sua classificação e definições, e o seu estado de conservação e estatuto de proteção. Será explorada uma metodologia de modelação preditiva da distribuição potencial de espécies produtoras de turfa, com validação de campo dos resultados obtidos, i.e., presença ou ausência dos três vértices do triângulo ecológico das turfeiras: plantas produtoras de turfa, água e turfa. Adicionalmente, pretende realizar-se uma avaliação da capacidade de captação da evolução da paisagem e das características ecológicas atuais das turfeiras e swobs da PI, através de uma análise macroscópica, em que serão observadas e registadas as características físicas das turfas no próprio local, nomeadamente a profundidade das turfas, e microscópica, com recolha de amostras de solos e água para uma posterior análise de laboratório.

Estes métodos basear-se-ão em técnicas de modelação espacial preditiva de vanguarda, na utilização de sensores multiparamétricos e equipamentos de recolha de amostras de solos para obter dados biológicos e abióticos in situ, combinados com técnicas laboratoriais para análise de variáveis biofísicas e ainda com a validação empírica.

Deste modo, os principais objetivos deste projeto são: i) aprimorar o conhecimento sobre a distribuição das turfeiras e swobs da PI; ii) conhecer o estado ecológico dos ecossistemas e os tipos de turfa existentes; iii) realizar um modelo de profundidade da turfa com dados recolhidos em campo; e por fim, iv) apresentar uma classificação de turfeiras que seja o reflexo da diversidade destes ecossistemas na PI.

Espera-se assim obter dados cuja interpretação permitirá responder aos objetivos do projeto, bem como disseminar a informação em congressos e revistas científicas e ainda pela comunicação social.