Entrevista aos coordenadores dos GI MIGRARE, MOPT e ZOE do CEG
Por ocasião dos 80 anos do CEG, entrevistamos os coordenadores dos seis grupos de investigação (GI) sobre os desafios e perspetivas futuras para cada núcleo. Na segunda parte desta entrevista, refletem sobre esta questão a investigadora Lucinda Fonseca, coordenadora do MIGRARE - Migrações, Espaços e Sociedades, a investigadora Eduarda Marques da Costa, coordenadora do MOPT - Modelação, Ordenamento e Planeamento Territorial, e o investigador Jorge Malheiros, cocoordenador do ZOE - Dinâmicas e Políticas Urbanas e Regionais.
P1. Refletindo sobre a investigação de maior relevância do GI que coordena e os novos desafios na investigação científica qual a visão para o futuro do MIGRARE?
Maria Lucinda Fonseca: O principal objetivo do programa de investigação do Grupo MIGRARE é a produção de teoria e investigação aplicada na área das migrações e dos seus efeitos nos processos de transformação demográfica, económica e sócio-espacial, em distintas escalas geográficas.
A investigação desenvolvida nos últimos anos aborda temáticas muito diversas, com destaque para as seguintes:
- Imigração e transformação urbana nas metrópoles de destino dos migrantes, especialmente para a Área Metropolitana de Lisboa, em perspetiva comparada com outras cidades europeias.
- Análise e monitorização de políticas e iniciativas nacionais e municipais, na área das migrações, diversidade e integração, nomeadamente no domínio da habitação e segregação sócio-étnica das áreas residenciais, transformação e apropriação do espaço público, educação e saúde dos imigrantes e seus descendentes.
- Processos de mobilidade sócio-espacial: análise comparada de diversos grupos de imigrantes e minorias religiosas; disparidades intra-grupo associadas a diferentes tipos de fatores (género, estado no ciclo de vida, educação, origem geográfica urbana/não-urbana).
- Migrações internacionais, regimes de mobilidade e organização dos mercados de trabalho.
- Imigração, emigração, retorno e dinâmicas demográficas em Portugal e na Europa, nomeadamente nas regiões rurais e em risco de despovoamento.
- Diásporas e Comunidades Transnacionais.
- Migração de estilo da vida para as áreas urbanas e rurais e mobilidade internacional de estudantes.
A investigação privilegia uma perspetiva de análise interdisciplinar e comparada, pelo que se enquadra na participação em projetos, nacionais e internacionais, desenvolvidos em colaboração com outros centros de investigação portugueses, europeus, norte-americanos, brasileiros e do Norte de África, nomeadamente no âmbito do projeto Internacional Metropolis e da Rede de Investigação IMISCOE – International Migration, Integration and Social Cohesion In Europe. Entre os projetos mais recentes, já concluídos, salientam-se os seguintes: THEMIS – Theorizing The Evolution of European Migration Systems (Programa NORFACE); MOBILE WELFARE – Regimes de Segurança Social na Europa na era da mobilidade (Programa NORFACE); CROSS-MIGRATION – Current European and Cross-National Comparative Research and Research Actions on Migration (H2020); REMIGR – Regresso ao futuro: a nova emigração e a relação com a sociedade portuguesa (FCT); P-RIDE – Portugal: Integração Regional da Demografia e da Economia (FCT); MigRural – Return mobilities to rural Portugal: an assessment of the production of place (H2020).
Fora do domínio das migrações, importa ainda referir que o grupo MIGRARE liderou a elaboração do primeiro Plano para a Igualdade de Género do IGOT, enquadrada na sua participação no Projeto GEARING Roles - Gender Equality Actions in Research Institutions to traNsform Gender ROLES (H2020).
A agenda de investigação para os próximos anos, além da continuidade das pesquisas nos domínios anteriormente referidos, sobretudo no âmbito dos projetos de doutoramento e pós-doutoramento em curso, e da execução de dois projetos internacionais financiados pelo Programa Horizonte Europa da União Europeia (ACCTING - AdvanCing behavioural Change Through an INclusive Green deal, 2022-2025 e Re-Place - Reframing Non-Metropolitan Left Behind Places Through Mobility and Alternative Development, 2023-2027), dará particular atenção aos seguintes temas:
- Migrações, mobilidades e desenvolvimento das áreas rurais periféricas.
- Efeitos das alterações climáticas nas migrações internacionais e deslocamentos internos de população.
- Impactes da transição digital nas mobilidades humanas.
- A inclusão de migrantes e grupos vulneráveis na transição verde.
- Representações das experiências migratórias e produção visual.
P2. Refletindo sobre a investigação de maior relevância do GI que coordena e os novos desafios na investigação científica qual a visão para o futuro do MOPT?
Eduarda Marques da Costa: O Núcleo MOPT – Modelação, Ordenamento e Planeamento do Território é um grupo constituído por 14 investigadores integrados doutorados, 14 investigadores integrados não doutorados, 3 colaboradores, que interagem ainda com outros estudantes de mestrado e doutoramento. Ao longo destes anos, o MOPT tem-se dedicado à investigação nos domínios do ordenamento e planeamento territorial, assente numa forte vertente de métodos de análise espacial, modelação, cenarização e avaliação de políticas públicas. Pela sua natureza, o trabalho desenvolvido no MOPT, abrange uma diversidade de temáticas, muitas delas com um carácter transversal, traduzido em fortes relações com outros grupos de investigação. Entre as áreas temáticas podemos encontrar: instrumentos de planeamento territorial, política de coesão e avaliação de políticas; projeções e cenários de evolução em contexto de desenvolvimento regional; forma urbana, políticas de cidades e desenvolvimento urbano sustentável, através dos subtemas mobilidade, comunidades e cidades saudáveis, regeneração urbana, espaço público e determinantes de vulnerabilidade socioambiental; organização dos sistemas urbanos e respetivos modelos de organização territorial; padrões de uso do solo com a recente evolução para os serviços de ecossistemas, destacando-se a componente dos agro-sistemas; estudos de género, área em que foi pioneiro; saúde, em várias vertentes, nomeadamente os estudos de equidade no acesso à saúde, envelhecimento, determinantes de saúde em contexto urbano e efeitos na saúde física e mental e, ainda, uma vertente recente ligada à COVID-19.
A integração dos membros em várias redes é um outro valor a salientar: a nível nacional contam-se as Redes MOV e de Saúde e os Colégios FFF e Tropical da Universidade de Lisboa, e a nível internacional a participação na RIDOT, CP-Network da RSA e Mikropolis.
Em relação ao futuro, o contexto internacional e nacional, determina a urgência de se aprofundarem estudos em temáticas a que o MOPT dará resposta: a evolução do uso do solo, avaliando e propondo cenários com soluções para conflitos de uso associados à crescente urbanização; a necessidade de integrar o paradigma da circularidade da economia, pelo mapeamento dos inputs naturais e os resultantes da atividade económica, reforçando a importância dos estudos sobre energia, água, cadeias de valor e serviços de ecossistemas, abordados em visões sistémicas de intervenção do território; o forçoso tópico da cidade inteligente, que de forma transversal, trespassa áreas como a mobilidade, habitação, gestão de outputs, entre outras, e que pode ser integrada em perspetivas de planeamento urbano como os eco bairros ou o metabolismo urbano ou o digital-twin; o One-Health, nomeadamente a análise do papel dos determinantes sociais e ambientais na saúde, onde se torna importante o retorno aos estudos de localização e acesso a equipamentos e serviços de saúde, controle de poluição e outros elementos do ambiente urbano, estudos de vulnerabilidade social, entre outras dimensões, desenhando soluções para os alterar alguns dos padrões negativos desses determinantes; o envelhecimento populacional, nas suas várias perspetivas, trilhando um caminho para propor, ora serviços de interesse geral em contexto de baixa densidade, ora cidades mais amigas dos idosos ou estratégias para o envelhecimento no lugar; a valorização de territórios específicos tais como a montanha ou áreas de reserva, integrando a abordagem de proteção no contexto do estudos setoriais; o aprofundamento dos estudos de género e abordagens feministas; e por fim, o tema das desigualdades e a necessidade de diagnosticar e encontrar soluções promotores da coesão, económica, social e territorial.
Relativamente às abordagens metodológicas, o MOPT conta com alguns desafios no futuro; o primeiro desafio a considerar é a “imprevisibilidade”, aspeto que tem vindo a cada vez mais relevante e que tanto perturba os processos de planeamento; o segundo, é a crescente necessidade de “adaptação”, conceito fundamental a incorporar nas políticas e no planeamento; o terceiro, relaciona-se com o “acesso a mais informação”, que necessita de validação em termos de qualidade e na forma de acesso; o quarto, relaciona-se com o poder das metodologias associadas à “AI”, que pela capacidade de usar simultaneamente um grande volume de informação e processá-la em pouco tempo, carece de maior um espírito crítico e a partir de pressupostos solidamente construídos; o quinto, relaciona-se com a maior necessidade de antecipação de uma maior diversidade de futuros e de soluções e que necessitamos de o fazer de forma mais célere.
Pelas suas valências, o MOPT está preparado para dar resposta a todos estes desafios, mantendo uma forte presença na investigação, mas também na prestação de serviços, onde a aplicação se faz ao serviço da comunidade.
P3. Refletindo sobre a investigação de maior relevância do GI que coordena e os novos desafios na investigação científica qual a visão para o futuro do ZOE?
Jorge Malheiros: O GI ZOE nasceu em 2014, como resultado da fusão de três núcleos pré-existentes: o HEGEC (História e Ensino da Geografia e da Cartografia), o NETURB (Núcleo de Estudos Urbanos) e o NEST (Estratégias e Políticas Territoriais). Este procedimento visou ganhar massa crítica e facilitar o diálogo e a cooperação, de modo a otimizar a produção e difusão científica.
Comprometidos com uma atividade científica livre, crítica e rigorosa, os 25 investigadores integrados e os 17 colaboradores do ZOE dão resposta à missão do CEG, procurando contribuir para o desenvolvimento de regiões e cidades mais sustentáveis e coesas. Para tal, atuam no domínio da ciência competitiva, mas envolvem-se ativamente na ciência colaborativa, valorizando pari passu os processos de difusão internos (para a comunidade científica e os estudantes) e externos, procurando combinar o debate teórico-metodológico com a investigação aplicada.
Nos últimos anos, as atividades desenvolvidas privilegiaram quatro linhas fundamentais.
A primeira respeita à investigação relativa aos processos contemporâneos de transformação sociogeográfica e geoeconómica em meio urbano, designadamente os efeitos da gentrificação e da segregação na cidade, a financeirização da habitação e as crescentes dificuldades no seu acesso, a qualidade do habitat e o papel dos vazios urbanos, ou as formas de regeneração do comércio e os impactos destes na organização das cidades.
O estudo crítico dos processos de inovação socioespacial, criatividade e transição digital constitui a segunda destas linhas. A análise dos meios socialmente criativos e das artes como promoção da inclusão socioespacial têm constituído temática relevante, bem como o investimento cada vez mais significativo no domínio das geografias digitais, procurando dar resposta a questões de sustentabilidade regional e urbana com incorporação de inovações tecnológicas e sociais.
A terceira envolve investigação no âmbito das estratégias de desenvolvimento regional, dos desequilíbrios económicos e socio-demográficos dos territórios e da valorização dos territórios que “não contam” (periferias urbanas e áreas de baixa densidade), explorando o papel das redes de conhecimento, das opções de governança e política pública, para além de se abordarem aspetos específicos como a sustentabilidade demográfica e as formas de agricultura alternativa ao agronegócio, como a familiar e a urbana.
A quarta linha de investigação centra-se na reflexão do significado da Geografia e da sua utilidade social, designadamente na formação cidadã. Orienta-se para o pensamento geográfico, o ensino da geografia e o valor social da cartografia e da geografia no conhecimento e na cidadania, estando suportada, quer pelo forte envolvimento em atividades de extensão como o projeto Nós Propomos, quer por investigação básica relacionada, por exemplo, com as ligações entre Portugal e o Brasil no âmbito da ciência geográfica.
Considerando as temáticas da investigação, a cooperação disciplinar interna (com os outros núcleos do CEG) e externa revela-se essencial, bem como o envolvimento de parceiros exteriores à esfera científica estrita. Daqui decorre a necessidade de intensificar a difusão no quadro da ciência aberta, algo que o ZOE desejavelmente reforçará, estimulando uma ciência mais cidadã.
Relativamente ao futuro próximo, as quatro linhas de investigação existentes parecem responder bem aos desafios societais. No entanto, a investigação a desenvolver terá de considerar (e de responder) a um conjunto de exigências e de desafios diversos.
No respeitante aos processos sociais, emergem as questões decorrentes das alterações climáticas, dos impactos da digitalização sobre a localização de pessoas e objetos, dos efeitos do desdobramento espacial (conjugação dos mundos virtual e material), da emergência de polarizações político-territoriais e sociais associadas ao crescimento dos populismos, do envelhecimento europeu e global, e do incremento dos riscos de catástrofes mais extremadas de tipo diverso.
Em relação aos métodos, para além dos desafios que a proteção de dados levanta à recolha direta de informação, o acesso e o uso de big data e dos denominados dados orgânicos dever-se-á intensificar, constituindo um desafio a eventual privatização desta informação e os seus custos. A explosão da Inteligência Artificial, quer como auxiliar do processo de trabalho, quer como temática apresenta-se como outro desafio estrutural.
Em termos institucionais, ao nível micro, o ZOE contribuirá para os objetivos inerentes à integração recente do CEG em estruturas como o Laboratório Associado Terra e os Colégios da ULisboa. Ao nível macro, a instabilidade do sistema científico nacional, marcado por subfinanciamento, atrasos sistemáticos e precariedade da maioria dos investigadores apresenta-se como outro desafio significativo à manutenção das linhas de investigação e, também, ao desenvolvimento de um trabalho continuado de alta qualidade.